domingo, 28 de novembro de 2010

Artigo - Solidariedade de fachada



Que culpa é essa que faz todo mundo ficar bonzinho nos finais de ano? Além de encher um porta-malas com brinquedos do 1,99 para presentear as crianças pobres do periferia, decide-se arrecadar alimentos para montar cestas básicas e ajudar os desgraçados da cidade. Porque comer direito nos outros meses do ano já é querer demais. 


Na tentativa de encontrar alguma explicação menos “militante” em relação ao tema deste texto – motivado pelo asco que sinto da caridade de final de ano –, encontrei uma justificativa mais “científica” em um artigo publicado anos atrás na Folha On Line. "No Natal come-se fartamente e gasta-se muito com presentes. Quem pode usufruir sente culpa. O modo de lidar com esse sentimento é favorecer os outros, para que eles tenham uma coisa melhor do que o nada. É um modo de expiação da culpa, não apenas a do Natal, mas a do ano todo.” A afirmação é atribuída pela autora do artigo (Janaína Fidalgo) ao professor de psicologia da PUC/SP Ari Rehfeld. Ele vê como positivas essas ações “humanitárias”, ainda que isoladas. 


Mas não são apenas os INGs (Indivíduos Não Governamentais) – uma analogia, já fora de moda, às ONGs – que operam um desencargo de consciência a medida que se aproxima o principal evento do calendário cristão. Patrões que sugaram a força de trabalho de seus “colaboradores” o ano inteiro dão um up grade na “responsabilidade social” (eles adoram isso tanto quanto a responsabilidade ambiental, que traveste de verde o cinza que sai na chaminé) e distribuem perus dentro de lindas bolsas térmicas que poderão depois ser usadas pelos peões na praia, atochando-a de cerveja para esquecer as agruras proporcionadas pelo chefe – agora com a consciência higienizada. 


A ideologia neoliberal é essencialmente individualista. Consumimos nós. Consumimos o mundo, ignorando que somos parte dele, não seus amos. Engrenagem fundamental do sistema capitalista, a propaganda tem tarefa importante no incentivo ao voluntariado de fachada. Exemplo: “Gaste seu 13º aqui, doe um saco de feijão e faça o Natal dos excluídos mas feliz.” Ainda que de forma inconsciente, essas iniciativas de apagar incêndio jamais revolucionarão as vidas dessas pessoas. E “revolução” para muitas delas significa ter três refeições diárias. Conscientemente, por outro lado, as elites econômicas continuarão a incentivar o voluntariado – seja físico ou virtual, para não perder o bonde da modernidade –, no exercício de evitar que a fome dos desgraçados provoque uma convulsão social.


Charge: Jean Knetschik

2 comentários:

  1. Isso tem um nome:"Desencargo de consciência..."

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  2. Sared... vc não defende o bolsa familia ?
    para que ele serve ? agora que é quase natal use o dinheiro do povo para alimentar o povo !!!

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